quinta-feira, 30 de outubro de 2008

LAMBE-SUJO X CABOCLINHOS


“O lambe-sujo é considerado a maior manifestação de teatro espontâneo ao ar livre do mundo.”

manifestação popular Lambe-Sujos X Caboclinhos que representa as perseguições e batalhas entre negros escravos e índios domesticados pelos senhores de engenhos no período do Brasil colonial.

A guerra entre os lambe-sujos e caboclinhos é uma representação das investidas que os indígenas faziam aos quilombos, a mando dos capitães-do-mato dos engenhos, para derrotar e aprisionar os negros escravos fugidos, posto que os índios conhecessem melhor a região e teriam como recompensa o que de bens materiais pudessem arrecadar dos negros. A luta do negro pela sua liberdade é seu principal tema, e tem na representação do seqüestro da rainha dos caboclinhos o fator chave para os combates (embaixadas).

O grupo dos lambe-sujos é composto por moradores do município de Laranjeiras, em geral trabalhadores do meio rural e estudantes, e sua indumentária se limita a calções e guritas feitos de flanela vermelha, e uma foice preta, símbolo do trabalho nos canaviais. Uma preparação de mel de cabaú, vinda da Usina Pinheiros – antigo Engenho Pinheiros, tinta xadrez e sabão em pó dão a cor negra dos corpos dos brincantes.


A dinâmica do grupo se inicia na Alvorada por volta das quatro da manhã, onde o grupo, ainda sem se pintar, se reúne na casa do rei. Soltam-se fogos de artifício e os tambores começam a soar. Saem em cortejo pela cidade, recebem a primeira benção do padre na Igreja Matriz e logo após a benção do rio. Após a alvorada há um momento de trégua para os grupos.


Por volta das nove horas da manhã, os lambe-sujos se encontram novamente nas imediações da casa do líder, e lá se lambuzam com o líquido que dá cor e nome ao grupo. Devidamente paramentados, todos vão brincando pelas ruas da cidade, ao som da onça, tambor, e ganzás e cantando as músicas próprias do brinquedo. Existe uma desordem, os negros avançam sem ordenamento algum, ainda sem a presença das principais figuras: o Rei, o Pai Juá e a Mãe Susana.


Às onze horas do dia, todos se dirigem às portas da igreja da Matriz, onde o pároco da cidade dará a segunda benção à festa e aos grupos. Acontece a primeira embaixada, que é o enfrentamento dos grupos através de seus líderes. O grupo indígena se recolhe para o almoço, enquanto os lambe-sujos se dirigem à casa do rei para a tradicional feijoada, que foi preparada pela esposa do rei e líder do grupo, atualmente o senhor Zé Rolinha, com ingredientes doados pela população.


Aproximadamente às duas horas da tarde é que o grupo, composto até ai apenas pelos figuras, tocadores e taqueiros, vai buscar o seu Rei, com rosto pintado de negro, e indumentária que remete aos reis mouros. Esse momento é de grande euforia de todos, e são toados Vivas ao Rei. Após a presença do Rei, o grupo vai buscar ainda o Pai Juá e a Mãe Susana, em casas diferentes. Os cortejos pelas ruas são guiados pelo Rei, e ordenados pelos taqueiros que também assustam e até atingem, chegando às vezes a machucar, os espectadores que estiverem no caminho.


Em determinado momento por volta das quinze horas da tarde, acontece uma embaixada, que seria a representação de um possível flagrante dos negros pelos índios. Os negros conseguem fugir. Com o passar das horas já se dirigindo para o fim da tarde, os dois grupos se encontram na via rente ao local onde está montado o quilombo (o mocambo). Acontece mais uma embaixada, em que os líderes dos lambe-sujos e dos caboclinhos se enfrentam com espadas e varas. Os negros vencem mais uma vez. Então os índios saem de cena, e os negros vão para o quilombo, onde acontece o auge da evolução do grupo. Um mastro foi levantado na noite anterior à festa, e nele sobe um negro Forro para ficar de vigia. Quando os índios se aproximam ele sinaliza, e os negros ficam a postos. Acontece mais uma embaixada, que tem defesa dos líderes, do Pai Juá com seus feitiços, e mais uma vez os negros vencem. Mais uma embaixada, que os negros vencem, e então a última embaixada, com uma demora maior na representação da disputa. O cacique dos caboclinhos acaba vencendo e os outros índios o ajudam a aprisionar os outros negros.

Os Lambe-sujo




Completamente pintados de negro, os lambe-sujos, nos momentos que antecedem os cortejos e as embaixadas, andam pelas ruas pedindo aos passantes: “Dá, dá, iô, iô”, que significa que se o passante não der dinheiro ou prenda, o lambe-sujo vai “melar” o indivíduo. Antigamente, em meados da década de 50, ainda se tinha o costume dos lambe-sujos “roubarem” pequenos objetos, como banquinhos, talheres, vasos, e para reaver, os donos teriam que dar um agrado ao grupo. Isso era realizado em pleno acordo, posto que os moradores já conhecessem a tradição.
Partindo-se da observação direta e de conversas com os componentes, o estudo pode registrar a existência de uma relação de hierarquia no grupo, bem como todas as suas características.





Personagens:


Em maior número estão os figuras, que são os lambe-sujo, escravos comuns;


O Rei cuja indumentária é diferenciada, composta por uma calça de duchese vermelho,a coroa feita de papel cartão dourado, um peitoral feito com espuma e enfeitado de medalhas, pequenas bonecas e correntes douradas, e a espada (a indumentária do Rei remete à estilização moura, e tal possibilidade é respaldada pela vinda de negros com influências mouras para Sergipe);


O Filho do Rei a indumentária é igual a do Rei;


Negro Forro tem a indumentária similar ao dos outros negros, ele é aquele que fica na forca, numa representação da rebeldia maior de alguns e é também o que fica responsável por avisar a todos sobre a chegada dos índios no quilombo;


Mãe Suzana veste um vestido estampado e carrega na cabeça um cesto de fibra de cipó cheio de utilitários para cozinha como panelas e etc. Simboliza a escrava que foge com os negros para ajuda-los no quilombo;


Pai Juá veste-se de forma característica dos Pretos Velhos, usa uma barba branca, está sempre com um cachimbo e é detentor de “feitiços”;


“feitores”( os Taqueiros) usam calça e camisa de flanela vermelha com colete de couro e como adereços uma taca de couro; figuras trajadas de forma similar a vaqueiros, com gibão e chapéu de couro, e portando chicotes a fim de disciplinar os negros.

OS INSTRUMENTOS:

Os instrumentos que acompanham o grupo são todos de percussão como a cuíca que é mais conhecida na região como onça, timbal, atabaques, reco-reco e outros.






  • Transcrição das músicas do folguedo



1- Tava capinando quando a princesa me chamou

Ô levanta nego cativeiro se acabou

Samba nego - branco não vem cá
Se vier – pau vai leva (bis)

Meu Senhor mandou nego trabalhar

Ô, no capim, de planta, de no samborá

2- Adeus parente já vou me imbora
Pra terra de Conga vou ver Angola
Já vou me embora
Já vou agora
Pra terra de Conga vou ver Angola
Pronúncia local para Congo

3- Oia a nêga cum brinco na urêa
Essa nega ta danada
Ta cum brinco na urêa
Essa nega vai pra fonte, vai cum brinco na ûrea
Essa nega vai lavar, vai cum brinco na urêa
Essa nega vai namora, vai cum brinco na urêa

4 – Meu senhor mandou vou contar pra tu curu
Mas não sou de curu pra tu contar
Sinhá de barriga pra cima
Botando bichinho pra trabalhar
Mais embaixo, nego
Ta certo Sinhá

5- Oi cadê Mãe Suzana, Ô Suzanê
Mãe Suzana morreu, Ô Suzanê
Senhora Mãe Suzana, Ô Suzanê
No oco do pau/ Cadê mãe Suzana

6 – Um mais fogo / fogo de guerra (6x)
Música de batalha


Os Caboclinhos


O grupo dos caboclinhos é composto em sua maioria por crianças, mas também com homens e adolescentes pintados com tinta xadrez vermelha e com indumentária indígena, cocar e saiote de penas, e levam como armas o arco e flecha. As suas figuras são: Rei, Filho do Rei, Rainha e caboclos.
Os instrumentos que acompanham o grupo são caixas e tambores. Os índios fazem também seu cortejo anterior às embaixadas pelas ruas sempre em duas filas, simulando a dança do toré. O número de participantes nesse grupo é reduzido pela sua característica mais taciturna, comparada à euforia dos negros lambe-sujos, apesar de representar sempre o lado das batalhas que sempre vence.
O seqüestro da rainha dos caboclinhos é que gera as perseguições, ou os cortejos. As brincadeiras pela cidade são simulações de busca dos caboclinhos e de fuga dos negros.




A Imprensa


A imprensa local sempre noticia a realização da brincadeira, que acontece anualmente no segundo domingo do mês de outubro, tendo um único ensaio geral no domingo anterior. Documentários, ensaios fotográficos e matérias tendo os grupos como objetos estão em constante produção. A realização faz parte do roteiro turístico do Estado de Sergipe.




A População


Os moradores locais, em sua maioria, participam da festa não necessariamente focando o acontecimento cultural-histórico em si, mas como evento de socialização, onde por vezes os carros de som em bares e casas atrapalham o andamento dos cortejos.

A Segurança
A polícia local realiza um trabalho solicitando que não haja tais empecilhos, mas nada de coerção ou obrigatoriedade. Há relatos diversos em relação à festa, desde pessoas que não dormem na passagem do sábado para o domingo para aproveitar desde a alvorada, e também relatos de pessoas nascidas e criadas na cidade que tem medo dos lambe-sujos.

Por despertar tamanha euforia, principalmente acompanhando o grupo dos lambe-sujos, a brincadeira tem sofrido sérias distorções. Problemas com o consumo de álcool e drogas têm sido combatidos pelos líderes dos grupos e também pela polícia.Outro fator são alguns visitantes, fora do real espírito da festa, atrapalham a dinâmica, chegando até mesmo a danificar instrumentos e causar brigas. No ano de 2007, foram relacionados muitos tumultos, brigas e até tiroteio,resultando em uma morte.





CURIOSIDADES...


· No dia anterior, o grupo de moradores corta e monta no antigo porto, às margens do rio, o que seria a representação do quilombo (o mocambo) com bambus em forma de teto, cenário da embaixada final.

· Os lambe-sujos saem pedindo contribuições na feira para os ingredientes da tradicional feijoada, no sábado, um dia antes da manifestação. É oferecida ao meio-dia do domingo na casa do Rei dos lambe-sujos e líder do grupo, seu Zé Rolinha


· Um dado curioso é a adoção por parte dos brincantes de chupetas infantis, óculos escuros e os tênis como componentes da indumentária. Seria uma estilização das vestes, posto que a todos a cor negra dos corpos chama atenção pelo brilho singular, e a composição com outros acessórios agrada aos brincantes.

· Algumas músicas cantadas durante o folguedo são cantadas por grupos folclóricos como o São Gonçalo, as músicas Mãe Suzana e Adeus parente. Ainda não se sabe se por conta do gosto pessoal dos componentes de um grupo ou de outro, nem de que grupo originariamente a música é.

· No Mocambo se ouve a música número um, aparentemente, a que mais agrada aos participantes e ao público. Essa que seria o grito de guerra dos lambe-sujo.

“Samba nego - branco não vem cá
Se vier – pau vai leva.
Samba nego - branco não vem cáa
Se vier – pau vai leva “

Ainda não é claro como a brincadeira veio para o município de Laranjeiras. Junto a dados oficiais, coloca-se como método a apreensão, através de entrevistas e observação direta dos eventos, da História Oral dessas pessoas e do fenômeno em si. Para os entrevistados é motivo de orgulho, quando eles deixam seus afazeres do dia-dia e se tornam reis, como no caso da principal fonte entrevistada, seu Zé Rolinha.

A OPINIÃO DA POPULAÇÃO


“Os integrantes da manifestação cultural Lambe e Sujo mantém suas raízes” afirma Zé Rolinha, mestre do grupo. Porém quando se trata do comportamento do povo ele diz que mudou muito, que a maioria das pessoas não respeitam “as pessoas vêm para beber a até atrapalham a festa, o Lambe Sujo é uma festa do povo para o povo, mas eles não deixam mais a gente mostrar o nosso teatro de rua como antes”. Segundo o Mestre Zé Rolinha as pessoas estão banalizando de diversas formas: bebendo, colocando carros de sons que nada tem a ver com o ritmo da festa, melam as pessoas que estão ali para apenas assistir e seguir o cortejo. Ele acredita que isso ocorra pela falta de acesso à informação sobre manifestação cultural, problema que poderia ser resolvido com uma introdução a respeito do assunto nos colégio, ele fala também que falta registro, seja em vídeo ou em papel, dos depoimentos dos mestres e participantes, por isso que as pessoas erroneamente acabam transformando o dia da festa em carnaval, “as pessoas têm que entender que isso não é uma festa de carnaval”.

Para a nossa surpresa os moradores da cidade que foram entrevistados preferem que a festa Lambe-sujo e Caboclinhos acabe. Os mesmos relatam que a festa não é mais como antes, dizem que antigamente começavam a se pintar às 4h da manhã e hoje saem mais tarde, até o batuque não tem mais a mesma intensidade “Quando a gente era criança e via aqueles homens pintados de preto a gente ficava até com medo” relata uma moradora aos risos “mas hoje a gente tem medo é de sair da festa todo melado, apanhar ou coisa pior”. Até os mais jovens pensam assim, falam que não participam mais por causa da violência, afirmando que durante o cortejo o que eles fazem é beber, mas ainda assim preferem que a festa acabe porque está ficando violenta.